sábado, 29 de novembro de 2014

Fé e Razão unidas: o caminho mais desafiador

Existem diversas explicações  sejam religiosas, sejam científicas ou pessoais  que tentam compreender o Universo. Sendo relativista, nenhuma é superior ou inferior à outra; não deixam de ser tentativas de entendimento daquilo que não sabemos, a aventura de buscar o conhecimento. Contudo, aqui estou abordando um caso particular de conflito próprio.

Uma missão que defini para mim em oração foi e é: por mais complexo e aparentemente impossível que seja, ainda que eu tenha que dedicar intermináveis horas da minha vida, trabalharei com tamanho esforço e ardor para tornar fé e razão "amigas" de um mesmo trajeto.

Quando nos aprofundamos de modo tão intenso em tais vertentes, chega um momento inevitável em que temos de tomar uma decisão radical. E somente uma decisão: servir a fé ou servir a razão? No entanto, para uma pessoa que ama imensamente uma quanto à outra, esta decisão é indefinidamente difícil, assim como fora para mim.


Há aqueles quais dizem que a fé é uma rota que o ser humano busca por ser mais fácil de compreender as coisas e por trazer mais autossatisfação interior. Tais críticos, então, usam da teoria da alienação para explicar a ação da Igreja. Em contrapartida, há a defensiva de que a razão é uma maneira de, afastando-se da Igreja, o ser humano fechar-se em seu ego e individualismo. Entretanto, suponho que tais pessoas  de ambas as defesas  procuraram equivocadamente o caminho mais fácil: decidir-se entre uma ou outra para fugir da conflituosa complexidade de conciliar ambas as vertentes, aparentemente, autoexcludentes.

Nesta minha busca de conciliação  busca em qual penso estar só no princípio , em incontáveis momentos, lidei com dúvidas que muito demorei para encontrar a resposta. Dúvidas que, se eu tivesse apelado pelo equívoco, já teria abandonado minha fé há tempo. Logo, um marcante estado do meu espírito era a divisão. Ora  interiormente  eu apoiava a Igreja, ora eu a criticava, contestava, duvidava. Porém, dúvidas quais não me arrependo, pois hoje vejo que não somente ampliaram o meu conhecimento, como também a minha fé; o que tem, em “dupla mão”, contribuído para o meu crescimento espiritual.


Ainda que, dentre tantas dificuldades, eu estivesse obtento significantes “sucessos”, algo que muito me pesava era o seguinte ditado: “um empregado não serve a dois reis”. Mais uma vez eu tinha de tomar uma decisão. Decisão qual eu adiava, mas ― inevitavelmente, cedo ou tarde  deveria ser tomada. Além de tanto, muito nos deparamos na Bíblia com um convite a abandonarmos o mundo para dedicarmo-nos a Deus – mais um chamado para a decisão radical.


Não obstante, este último convite de “não servir ao mundo e sim a Deus” me causou conflituosa repulsa. Por que Deus, qual me pôs no mundo, diz para que eu não sirva a este? Não foi da vontade Dele que eu vim ao mundo? Caso contrário, eu não teria vindo. Será isso, então, mais uma forma de me alienar aos “interesses” da Igreja? A Palavra não nos diz a ajudar o irmão? Porém, levando em consideração que o irmão pertence ao mundo e se devo eu pertencer a Deus, então isso quer dizer que não devo servir a meu semelhante? Só que servir ao irmão não é, também, servir a Deus? Não há nisso uma contradição? Enfim, esta contradição reforçava ainda mais a ideia de uma “Igreja alienadora”, fora outras contestações minhas referente à Cristo, as quais também me levaram para uma bifurcação radical: ou Jesus é a verdade ou é um grande mentiroso! Pois toda mentira é desvendada logo, o que tanto pode apontá-Lo como a “Verdade” ou como a “mentira mais bem contada da História”.


Contudo, eu estava cometendo um enorme equívoco, uma precipitada compreensão. Nada é impossível de se entender desde que se reflita suficientemente para tanto. Então, esclareci a “bagunça” do meu espírito. Primeiramente, já que eu tinha tantos argumentos convincentes que apoiavam a Igreja quantos que a desmentia, eu tinha de tomar uma rota simples, porém, decisiva: tenho fé ou não a tenho? “Tenho fé” foi minha resposta.


A partir daí, comecei a reestruturar minha base ideológica – método inspirado de René Descartes – de maneira racional e lógica, sem afetar a minha fé. Foi aí que cheguei à famosa bifurcação de “servir a dois reis”. Porém, a questão é que, quando na Bíblia se fala em “deixar de servir ao mundo”, Deus não está nos privando de servir às pessoas ou impondo que nos desprendamos do mundo. Porque, parando para pensar logicamente, desprender-se do mundo seria, então, desprender-se de tudo que há nele – como abandonar o conhecimento, as pessoas que amamos, tudo! – para servirmos somente a Ele. Entretanto, nestas passagens, não é este o foco. Na verdade, nelas, Deus está nos alertando a abandonarmos aquilo que nos prendem a futilidades, que nos levam à insignificância humana. Se, em contrapartida, estamos exercendo nossa função social, prezando por nossas virtudes, adquirindo conhecimento da realidade, ajudando a quem precisa; logo, estamos trabalhando para melhorar o mundo, estamos trabalhando nas virtuosas importâncias do mundo. Portanto, assim também estamos servindo a Deus e ampliando o nosso crescimento quanto espírito, o que também O agrada. Todavia, a partir do momento que o nosso serviço ao mundo é sobreposto a Deus, aí sim estamos na condição do servo que prefere a um rei em detrimento do outro.


Por fim, é possível prezar pela razão e pela fé! Trabalhar para o conhecimento do Universo não é ir contra a vontade de Deus, pois foi conforme a vontade Dele que viemos ao mundo e, por isso, temos a capacidade de duvidar e buscar pelas respostas. No entanto, esta busca não pode ser transformada em contestações que nos faça ir contra à Sua existência e, muito menos, ser sobreposta a Ele. Portanto, basta ter discernimento e paciência diante de qualquer busca, porque “nada é impossível de se entender desde que se reflita suficientemente para tanto”.


domingo, 23 de novembro de 2014

Ausência do silêncio: raridade do que é puro

“Pureza é algo difícil de se encontrar hoje no mundo, nos seus mais variados sentidos, principalmente nos mais literais.”

Milagroso foi o dia em que pude, por um gratificante instante, desfrutar de um silêncio que, há tempo, não se manifestava. Nenhum veículo transtornava os ouvidos daqueles que tiveram a breve graça de caminhar pelas calçadas da Estrada dos Bandeirantes, naquela manhã de plena semana de rotinas profissionais, cada vez mais corridas e exigentes.

O intrigante é que um momento como este, que deveria ser uma espécie de especial agrado, serviu-me, contudo, de alerta. Estamos tão acostumados a essa vida subordinada ao caráter capitalista que tampouco reparamos aonde chegamos. Diariamente, acordamos com um peso enorme das mais variadas condições humanas. Acordamos mal-humorados, porque temos ciência do estressante e exaustivo dia que mais uma vez teremos de enfrentar; acordamos cansados, porque a rotina foi tão cruel conosco que tivemos de abusar das horas, forçando um “descanso” mental diante da televisão, que nos privou de acostarmo-nos mais cedo à cama; acordamos arrependidos, porque não fomos capazes de realizar o que planejamos; acordamos desesperançados, porque, por mais que nos esforcemos, novamente sofreremos tudo aquilo que queríamos evitar ou que, pelo menos, fosse menos avassalador, fosse diferente.

O mais inquietante é que pouco somos afetados por isso, pois já sofremos tanto que até ousamos nos acostumar. Não precisamos ir longe para enxergar a conturbação do mundo. Baseando-se no primeiro relato, todos os dias, vemos milhares de carros buzinando; ouvimos estalos das pesadas rodas dos caminhões sobre o asfalto; o som de milhões de motores já é considerado silêncio, porque é tão frequente que até parece natural; veículos que avançam os semáforos; pedestres que não têm tempo nem de alcançar a faixa de travessia; o caminhar apressado das pessoas, passando uma pelas outras como se fossem fantasmas, sem ao menos desejar um bom dia e, muito menos ainda, desviar o olhar do caminho para dirigi-lo àqueles que presenciam o seu redor. Este é o rumo do desenvolvimento da humanidade?





Não desprezo o desenvolvimento humano, em todos os seus ramos (filosofia, razão, pensamento, ciência, engenharia...), pelo contrário, valorizo e me admira muito, até me incentiva. No entanto, a questão aqui a qual quero ressaltar é que esse desenvolvimento, sendo administrado por um individualismo crescente, nos dirigiu a um ponto tão culminante, onde, cada vez mais, as coisas mais essenciais em nós (isto é, a pureza das virtudes humanas) estão sendo mascaradas por essa conturbação. Conturbação, agora, não mais a que se passa no mundo, porém, a que se passa no espírito, relembrando, também, todo o sofrimento que se inicia só no momento do despertar da manhã, sem levar em conta todos os outros que ainda serão enfrentados ao prolongar do dia.

Será que não esquecemos aquilo que nos é mais essencial?

sábado, 15 de novembro de 2014

Boa conduta: o mover de águas

Difícil é encontrar um significado para as boas obras, pois recebemos uma doutrina tão capitalista que tampouco damos importância às ações dos outros. Isso porque vivemos um individualismo tamanho que, ainda que enxerguemos uma atitude de um semelhante, em vez de valorizá-la, ora a rejeitamos, ora até tentamos fazer melhor, como se a vida fosse uma competição onde aquele que se destacar em detrimento dos outros vence a partida. Não! A vida não é uma competição.

Se partirmos deste ponto de vista, que julgo como pessimista, concluiríamos que boas ações são, unicamente, expressões da personalidade do indivíduo, que se restringem somente a isso e que efeito nenhum teriam como consequência. Porém, para mim, essas ações de boa conduta são como “águas em movimento”. Porque, assim como uma só gota faz com que uma relevante porção de água se movimente, assim também uma só pessoa movimenta os que estão ao seu redor e, claro, a si mesma. O que quero dizer com isso é que não somente o ajudado será beneficiado, mas o ajudante também toma parte dos benefícios de uma boa conduta, nem que seja pelo aprendizado, pela sabedoria ou pelo reconhecimento do seu verdadeiro propósito.


Antes, quero ressaltar que, ao meu ver, uma boa obra não precisa ser grandiosa, como um confidente que salva sua nação de um sistema opressor, por exemplo. Pelo contrário, grandes obras podem ser edificadas por pequenas atitudes, como, em outras ocasiões, negar-se a passar cola ou conter-se em retribuir a ofensa recebida. No entanto, nesse caso, a pessoa que se conteve pode ser considerada como a que saiu “perdendo”, a que ficou com o “prejuízo”, e o ofensor como o que saiu “vitorioso”, pois venceu a briga. Não! O ofensor saiu ganhando, pois foi evitado de ser magoado pela contra-ofensa, e o ofendido também saiu ganhando, porque não somente aprendeu, como também praticou de fato a sabedoria, o que lhe ampliará a experiência de vida, aumentando-lhe o crescimento espiritual. Nisso, fica claro que o maior beneficiado é aquele que pratica a boa atitude, não só aquele a quem foi dirigida tal conduta.

Isso, contudo, é somente um único exemplo, mesmo assim, podemos tirar mais proveito do mesmo: após a grande atitude sábia de conter a sede de revanche, talvez, o ofensor se arrependa, ainda que não no momento. Todavia, tal arrependimento irá levá-lo a um dos caminhos mais comuns da sabedoria, cujo erro serve de parâmetro para, numa próxima situação, exercer o certo. E ainda, quando este, na próxima vez, fazer o mesmo que o fez aquele que lhe transmitiu o exemplo, o novo ofensor também vai se arrepender, aprender e agir corretamente no momento oportuno. Assim, um ajuda o outro, que ajuda a outro, que ajudará mais outro... Seguindo uma progressão até que toda a “água” seja movimentada pela mesma “gota” de boa conduta.