terça-feira, 12 de abril de 2016

Palavras em Luto


Não possuo mais o ímpeto de escrever... Não há mais a mínima vontade tampouco força alguma em mim que me conduza ao teclado... Porém, preciso expor as caladas palavras, em cujo luto conservam atroz rancor, raiva e revolta. Pode parecer uma repetição pessimista de um mesmo tema, contudo, de fato, apenas isso ergue coragem para ser arrancado de meu espírito morto. Sim, morto... Morto pela desesperança... Inegável desesperança, a qual a realidade produz com orgulhoso festejo!

Nunca fui pessimista, porque sempre acreditei. A cada dia despertado para encarar a cotidiana e inclemente rotina que me é lançada, hasteio olhares de convicção entre os desesperos cabisbaixos do tumultuoso vazio. E a cada fracasso, um imediatamente após o antecedente, através dos quais a consciência me aponta todas as armas repressoras, tentando içar alguma covardia que me leve à rendição, cato tábuas dos mais inalcançáveis galpões para firmar uma ponte acima do abismo. E assim, já habituado a evadir das forças de reação buscando anular a aceleração da minha confiança, levo a vida, como sempre a tenho suportado. Todavia, estou cansado, morto... Morto pela desesperança... Não por faltar-me esperança, mas por cansar-me de plantá-la sempre em terras inférteis, consequência da queimada cujas chamas configuram a realidade.


Não me faço de vítima, justamente por ser tal atitude o alvo para o qual apontarei a inquieta voz dos meus princípios. Princípios em volta dos quais moldei a argila que dá rígida forma ao meu ser. Princípios tais que, perante o caos da humanidade irradiado aos meus olhos, parecem beirar a ruína. Aliás, ouso abreviar todo esse caos apenas ao conflito entre o orgulho e a esperança. Sim, reduzo toda a História a expressões do caráter individual.


Em absurda frequência, descarregamos os destroços do desastre sob o terreiro que não nos pertence. Ainda que não tenhamos parte no crime, quase que inexistente é nossa mobilização para suprimi-lo. Carecemos de valentia para alçar nossas espadas contra batalhas que, diretamente, não nos ameacem. Enfim, abdicando-me das metáforas, somos bem incapacitados na reparação dos erros, seja a responsabilidade nossa ou não.


Em outras palavras, a Igreja Católica é culpada pelo “retrocesso submisso” da Idade Média e pela “opressão absolutista” da Idade Moderna, entretanto, a burguesia é santa? Os portugueses são desumanos na prática da escravidão e os africanos são vítimas? A Alemanha e os países do Eixo são responsáveis por toda a devastação da Segunda Guerra Mundial, enquanto os Aliados são heróis? As Torres Gêmeas foram perfuradas por aviões terroristas, no entanto, os EUA são inocentes? As religiões impedem o progresso científico, ao passo que a tecnologia somente trás benefícios ao planeta? Não podemos ofuscar o evidente. Toda a humanidade, cada indivíduo, cada ato, cada decisão é cúmplice da balbúrdia histórica, contemplada por nossa indiferença. O passado sempre está submetido aos efeitos de nossas escolhas. Somos agentes da nossa própria decadência.


Eis a razão pela qual apenas as palavras pessimistas encorpam as massas que se manifestam nas mais movimentadas linhas dos meus últimos textos. Sempre acreditei que a bondade constituía a essência do ser humano, por mais profunda, tímida ou inavistável que seja. Em contracorrente, ao transcender de cada dia, mais imbatíveis se tornam as águas que tentam escoar minha esperança para o bueiro onde os sonhos são ausentes. Progressivamente sufocante é a insistente declaração de que no homem só há egoísmo, orgulho, hipocrisia, inveja, ganância, discórdia, guerra. Na verdade, não. Percebo, agora, que enfim encontrei onde se conserva a maior imundice humana: diante da autêntica capacidade de ser bom, o ser humano opta pela egolatria.


É uma realidade lamentável, revoltante, porém, não imutável. Minha esperança na bondade essencial persistirá para além de qualquer travessia turbulenta que a queira derrubar.


Sinto-me aliviado. Toda angústia que afogava o meu espírito nas águas da amargura foi drenada para o fosso da libertação. Então, é-me mais prudente finalizar este texto por aqui, o qual já não sei se consiste num desabafo ou em alguma forma de retaliação.