sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Última carta para Deus

Senhor Deus,

Já perdi a capacidade de conduzir pensamentos apenas pelo processamento interno independente da mente. Desaprendi a orar. Desaprendi a discernir quais pensamentos são conclusíveis e quais são signo do caos. Desaprendi a pensar. Desaprendi a sorrir. Desaprendi a viver. Desaprendi e desaprendi. Minha vida, pelo menos aos últimos dias ou estes como efeitos de uma longa linha causal desde o meu nascimento, tem sido puro desaprendizado. Tenho a intuição de que, pelo menos até 2015, minha vida tem sido uma louvável esponja, uma intensa absorção ordenada de conhecimentos incessantes. Já a partir dos anos mais recentes, essa esponja se rasgou. Os pedaços... Já não sei onde estão. O conteúdo destes pedaços se encontra ainda mais confuso. Meus atos, meu modo de agir, minha postura diante de tudo que observo, minha postura diante do que aconteceu, do que acontece e do que acontecerá, minha postura mudou. Eu não entendo tudo, não entendo nada. O Senhor sabe de tudo que estou falando. O Senhor acompanhou cada pensamento meu, cada ação, cada decisão e o desenrolar destes elementos ao longo da minha vida. É por isso que estou aqui, perdido, confuso, descrente, crente, triste, feliz, incerto, com medo, insatisfeito, tentando paciência, externamente contraído, interiormente barulhento. Eu não sei: expressão frequente em cada intérmino de pensamento, expressão intensamente recorrente, expressão da qual não consigo me libertar, signo de uma incapacidade adquirida. Não sei: a mais frustrante das desesperanças.

Por que parei de rezar o  terço? Por que tenho medo de falar o que penso em primeira instância? Por que me freio tanto? Por que acabei de esquecer o que antes pensei? Por que estou tão preocupado em encontrar respostas? Venho a culpar a ausência de respostas, esta o suposto fardo que me impede de viver. Será que com todas as respostas seria mais fácil viver? O que preciso para viver? Questões me atormentam, me travam, bloqueiam, impedem-me de seguir andando. Questionar já é olhar para trás. Avançar de olhos vendados é risco, certeza de problemas. Olhar para trás a fim de evitar os problemas dos passos livres e despreocupados é também problema. Dilema. O que fazer? Qual decidir? Ainda bagunçado, porém intuitivamente compreendido. Elementos pontuais, dispersos pela memória consciente e inconsciente. A vida segue em contínuo dilema.

No lugar de tantas questões, uma emerge sobre todas: o que o Senhor quer de mim? “Amor” ― diz o Senhor. Tudo bem, me contentarei com tal resposta. Deus fala por meio de sinais misteriosamente sutis. “Amor”, tarefa difícil essa que Deus me propõe. “Amor”, como amar? Por quais caminhos amar? Com quais palavras amar? Com quais pensamentos amar?

Matheus, você realmente está escrevendo para Deus esta carta? Ou está pensando em postar no blog? Postar diretamente nestas palavras ou adaptá-las? Adaptar, aproveitar miúdos, perverter sua fé para ganhar fama?

Ora, o que faço? Escondo-me, mais uma vez? “Faça aquilo através do qual o amor seja mais explícito” ― talvez diz o Senhor. Momento blasfêmia, também talvez. Entre blasfêmias e versículos, entre heresia e fé, entre incerteza e certeza se encontram os leigos cristãos. Se há cristãos certos de seus caminhos, não os invejo: observo de longe. Já a mim? Sempre me encontrei entre nos entres. Certamente não escolhi ter este tipo de estrutura mental-espiritual indecisa.

Juro que acabei de perguntar: “Deus, posso postar este texto?”. Na ausência da resposta ― da qual Deus não tem culpa nenhuma, pois não estou aqui para questionar seus desígnios ―, pensei: “O que Jesus faria? Jesus postaria este texto?”. Uma intuição me diz que é melhor preservá-lo. No momento certo, minha alma será exposta ao mundo: não agora. “Paciência” ― Deus me diz. Vou confiar em ti, Deus. Muito obrigado por estar aqui. Amém.