domingo, 23 de novembro de 2014

Ausência do silêncio: raridade do que é puro

“Pureza é algo difícil de se encontrar hoje no mundo, nos seus mais variados sentidos, principalmente nos mais literais.”

Milagroso foi o dia em que pude, por um gratificante instante, desfrutar de um silêncio que, há tempo, não se manifestava. Nenhum veículo transtornava os ouvidos daqueles que tiveram a breve graça de caminhar pelas calçadas da Estrada dos Bandeirantes, naquela manhã de plena semana de rotinas profissionais, cada vez mais corridas e exigentes.

O intrigante é que um momento como este, que deveria ser uma espécie de especial agrado, serviu-me, contudo, de alerta. Estamos tão acostumados a essa vida subordinada ao caráter capitalista que tampouco reparamos aonde chegamos. Diariamente, acordamos com um peso enorme das mais variadas condições humanas. Acordamos mal-humorados, porque temos ciência do estressante e exaustivo dia que mais uma vez teremos de enfrentar; acordamos cansados, porque a rotina foi tão cruel conosco que tivemos de abusar das horas, forçando um “descanso” mental diante da televisão, que nos privou de acostarmo-nos mais cedo à cama; acordamos arrependidos, porque não fomos capazes de realizar o que planejamos; acordamos desesperançados, porque, por mais que nos esforcemos, novamente sofreremos tudo aquilo que queríamos evitar ou que, pelo menos, fosse menos avassalador, fosse diferente.

O mais inquietante é que pouco somos afetados por isso, pois já sofremos tanto que até ousamos nos acostumar. Não precisamos ir longe para enxergar a conturbação do mundo. Baseando-se no primeiro relato, todos os dias, vemos milhares de carros buzinando; ouvimos estalos das pesadas rodas dos caminhões sobre o asfalto; o som de milhões de motores já é considerado silêncio, porque é tão frequente que até parece natural; veículos que avançam os semáforos; pedestres que não têm tempo nem de alcançar a faixa de travessia; o caminhar apressado das pessoas, passando uma pelas outras como se fossem fantasmas, sem ao menos desejar um bom dia e, muito menos ainda, desviar o olhar do caminho para dirigi-lo àqueles que presenciam o seu redor. Este é o rumo do desenvolvimento da humanidade?





Não desprezo o desenvolvimento humano, em todos os seus ramos (filosofia, razão, pensamento, ciência, engenharia...), pelo contrário, valorizo e me admira muito, até me incentiva. No entanto, a questão aqui a qual quero ressaltar é que esse desenvolvimento, sendo administrado por um individualismo crescente, nos dirigiu a um ponto tão culminante, onde, cada vez mais, as coisas mais essenciais em nós (isto é, a pureza das virtudes humanas) estão sendo mascaradas por essa conturbação. Conturbação, agora, não mais a que se passa no mundo, porém, a que se passa no espírito, relembrando, também, todo o sofrimento que se inicia só no momento do despertar da manhã, sem levar em conta todos os outros que ainda serão enfrentados ao prolongar do dia.

Será que não esquecemos aquilo que nos é mais essencial?

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